Hoje, conversámos com a Irmã Francisca Maria dos Reis Sousa- Irmã Xica- que nos fala sobre ARTE.
Ana dos Reis Sousa nasceu em 16 de março de 1937, na aldeia de Carvalhal do Pombo, concelho de Torres Novas. Aí passou a sua infância e parte da sua juventude. A sua aldeia era próxima de Fátima, localidade que peregrinava com muita frequência com a sua família, pois a sua mãe, que tinha presenciado o Milagre do Sol, em 1917, era uma devota fervorosa da Nossa Senhora.
Aos 17 anos, contraiu tuberculose óssea e foi levada para o Sanatório de Santana, na Parede, outrora gerido pelas Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena. Aí permaneceu durante 5 anos. A ligação a Fátima e a vivência junto das irmãs dominicanas convergiram num chamamento interior para a vida religiosa, que aceitou sem hesitar e integrou no dia 12 de setembro de 1962. Por se identificar tanto com São Francisco de Assis, adotou o nome de Irmã Francisca Maria dos Reis Sousa. A nossa Irmã Xica.
Surgiu-lhe a oportunidade de frequentar o IADE, onde cursou Arte e Design. Daí até ao Ensino foi um passo. A sua estreia aconteceu em 1964, no Externato de São José, no Restelo, Lisboa (a sua escola-base, onde se encontra atualmente). Desde então, a sua vida profissional passou a ser uma longa viagem de escala entre o Restelo, Leiria, Coimbra e Castro Daire. Foi aqui que permaneceu mais tempo, durante 18 anos, entre 1988 e 2006.
Chegou numa altura em que as viagens de Lisboa até Castro Daire demoravam 7 horas, por estradas sinuosas, e não havia uma pastelaria na vila para comprar um bolo. No entanto, encontrou uma terra fértil à espera de ser semeada. A Irmã Xica acredita que a sua missão aqui era lançar a semente.
Inicialmente, foi colocada no antigo Ciclo Preparatório e logo depois mudou-se para a Escola Secundária. Rapidamente se tornou uma figura incontornável no meio educativo e cultural de Castro Daire. Era presença assídua na dinamização dos eventos culturais na escola e na vila. Com os seus alunos, tinha o dom de despertar talentos, abrir horizontes e incentivar os sonhos. Simultaneamente, foi escuteira, trabalhou com a catequese, com o grupo de jovens, fazia parte da equipa da Pastoral Juvenil da Paróquia de Castro Daire e da Diocese de Lamego. Sendo muito dedicada à comunidade, dinamizou de forma inexcedível as Artes, sobretudo a Dança Contemporânea. Teve a generosidade de transmitir e reproduzir os saberes com que foi influenciada pela grande coreógrafa Madalena Victorino e mobilizou a juventude castrense nessa manifestação artística.
A Irmã Xica marcou várias gerações na vila de Castro Daire, onde fez tudo com alma e coração, como é seu apanágio, onde fez tantas e tantos jovens brilhar. Com isso se sentia realizada. Nessa interação, em que se doava, achava que recebia mais do que dava.
A Irmã Xica diz que é difícil encontrar um povo tão acolhedor como o povo castrense, que sempre a ajudou e apoiou nas suas iniciativas. É o mesmo povo que reconhece nela e nas suas iniciativas a arte, a beleza, a humanidade e, sobretudo, os valores com que constrói todos aqueles que passam pelas suas mãos. Acha-se muito preenchida com os anos que viveu aqui. Talvez, por isso, nos tenha preenchido tanto!
Irmã Xica, qual é a sua relação com a Arte?
Vou recuar no tempo, até à minha instrução primária. Na altura, era a filha da minha professora e eu (as únicas duas meninas) a frequentarmos a então denominada 4ª classe. O resto, eram rapazes e eram bastantes. As meninas iam ficando pelo caminho porque os pais precisavam da sua “preciosa ajuda” nas lides familiares.
Lembro-me que, depois de terminadas as aulas, atravessávamos a estrada e lá estávamos as duas (muito amigas) na sala de jantar da Professora a saborear um belíssimo lanche, seguido do cumprimento dos deveres de casa.
Mas o que tem isto a ver com a pergunta? Apenas isto: em frente à mesa onde lanchávamos, estava um móvel que exibia um lindo serviço de café (ou de chá), já não sei, que eu achava muito bonito e me deliciava a desenhar e a pintar: tinha umas flores que, ainda hoje, tenho na memória. Penso que foi este simples episódio que me fez sentir de mãos dadas com o Belo, com a Arte, se quiseres. Não sou artista, gostaria de o ser para satisfação pessoal. Sou, sim, sensível ao belo, ao estético, à harmonia e à beleza nas variadíssimas expressões de Arte!!! Este fascínio levou-me a tirar o curso de Arte e Design no IADE, por ser uma Escola de cariz Católico e, assim, “a história do modelo nu” era um pouco mais camuflada e menos imprópria para uma “menina decente”. Terminado o curso, lecionei Educação Visual alguns anos, em estabelecimentos particulares, pertença da Congregação da qual sou membro. Mas foi aí, em Castro Daire, com gente mais crescidinha, que eu percebi que não tinha nada a ensinar; o meu papel era tão-somente criar condições para que o potencial artístico e criativo dos meus alunos (as) fosse descoberto por eles (elas) e trabalhado por suas próprias “mãos”. Procurei, sim, dar-lhes algumas ferramentas que os ajudassem a desbravar “a sua própria terra.” Sou uma sortuda porque me sinto povoada por imenso talento artístico dos meus alunos (as). É neste sentido que eu posso dizer, em verdade, que a minha vida “tocou a Arte” através dos pequenos/ grandes artistas que comigo se cruzaram. Um OBRIGADA do coração.
Qual o papel que a Arte exerce na formação das pessoas?
“A Arte esteve sempre ligada à história do Homem e do mundo”. Partindo deste pressuposto, atrevo-me a dizer que a Arte é parte intrínseca do ser humano. Sem a Arte (qualquer que seja a sua expressão), a humanidade não é completa. Deus, fonte de toda a Beleza, criou-nos à sua Imagem e Semelhança. Só na medida em que a pessoa integrar a Arte na sua existência, ela é verdadeiramente pessoa. Numa sociedade que vive a alta velocidade, em que muitas vezes o que conta são os números, as Artes têm um peso importantíssimo, ajudando a pessoa a retroagir, a espevitar a criatividade e, acima de tudo, a saber estar consigo e com os outros.
A Arte, na sua generalidade, possibilita um profícuo diálogo com quem a pratica, a observa e a desfruta, criando muitas vezes situações riquíssimas de descobertas e aprendizagens para a vida. Concluindo: As Artes têm uma grande importância na vida da pessoa, nas suas mais diversas manifestações, contribuindo para o desenvolvimento de uma personalidade integrada e harmoniosa na sociedade.
Considera que a Arte é valorizada no Sistema Educativo?
Não tanto quanto necessário, na minha modesta opinião. Atendendo a que, para a maioria das nossas crianças, o primeiro contacto que têm com a Arte é na Escola, quer nas aulas de expressão plástica, quer nas atividades de enriquecimento curricular, acho pertinente valorizar e incentivar ativamente uma maior diversidade de produção artística nos Estabelecimentos Educacionais ao nível de Artes Plásticas, do Canto, da Música, da Expressão Corporal, ou outro tipo de Dança, de Teatro, etc. Como diz o ditado: “De pequenino se torce o pepino”! De pequeno se vai descobrindo o potencial artístico que há em cada criança para que aquele seja estimulado e acariciado.
Com base na sua experiência, como pode a Arte contribuir para a transformação social?
Pelo que me é dado constatar (embora longe, mas seguindo de perto), a Sociedade Castrense é um excelente exemplo de como “um punhado” de gente ligada e imbuída de um sentimento artístico, seja ele qual for, tem dinamizado e promovido a sociedade castrense com seus múltiplos contributos pessoais, e são tantos os rostos que me vêm à memória… Parabéns a todos (as) e continuem a dar o vosso precioso contributo no desenvolvimento da vossa terra. O que se constata em Castro Daire é válido para qualquer canto do mundo desde que se “arregacem as mangas”.
A irmã Xica teve um grande impacto na vida de Castro Daire. Qual foi o impacto que Castro Daire teve na sua vida?
A ser verdade a afirmação, não é menos verdade que as gentes Castrenses enchem a minha vida de saudosas e boas recordações: foram 18 anos presenteados com muito e tanto que de todos recebi. Marcaram-me com o “selo” das vossas vidas acolhedoras e calorosas, que jamais saberei agradecer com palavras. O coração fala mais alto, escutai-o!!!
A Comunidade Educativa de Castro Daire guarda a irmã Xica no coração. Que mensagem gostaria de lhes levar?
Que a Comunidade Educativa de Castro Daire me guarda no coração, não tenho dúvida. Experimento-o no mais fundo de mim mesma. “Amor com amor se paga.” O que sinto de gratidão pelos 18 anos que aí vivi, daria para escrever um livro, mas como não foi isso que me foi pedido e não quero fazer chorar os seixos do Rio Paiva, fico-me por um BEM HAJAM até ao infinito.
Que mensagem gostaria de deixar? A mensagem do amor que recebi! Não deixem que nada nem ninguém vos “roube” esse jeito genuíno de acolhimento ao outro porque o Senhor da Misericórdia não permitirá que um só gesto vosso fique sem retorno. Até sempre. Abraço amigo.
À nossa querida Irmã Xica, manifestamos gratidão por tudo o que nos mostrou, deu e ensinou através da Arte. Um enorme agradecimento por todo o trabalho que realizou em Castro Daire, em prol das pessoas e da comunidade.
A Irmã Xica é uma despertadora de dons e uma semeadora de sonhos. Personaliza a Arte na sua forma de ser, de pensar e de estar: simples, livre, harmoniosa, verdadeira e cheia de vida! É uma inspiração para os tempos que vivemos, em que nos devemos voltar para o que é essencial e valorizar o que realmente é importante. É um tempo em que devemos procurar a companhia da Arte, pois é através dela que tiramos o melhor partido de nós, dos outros e do mundo!
Inspirados na mensagem de amor da Irmã Xica, desejamos a todos, nesta época natalícia e no novo ano que se avizinha, a arte de viver com amor, paz, saúde e calor humano no coração!
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