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Era uma vez um País

Era uma vez um país, que tinha como matriz a forma de um caixão. Nesse país de terror, havia como senhor um homem sem coração… Um tirano, um opressor! Só quem queria o que ele queria, e pensava como ele, e como ele, também fazia é que tinha a regalia… de ser gente… os outros não! Tratados como vassalos, muito pior que cavalos Ainda abaixo de cão! Para ter tudo na mão, esse monstro de mil olhos, de mil ouvidos, mil traições, entrava em qualquer lugar para ver, ouvir, escutar… E quer fosse no emprego, em casa de cada um, no café, na escola, ou praça… Sempre o olho da desgraça, o seguia e perseguia, de modo que quem dizia mal da sorte, ou do patrão, altas horas, ou de dia, ía parar à prisão. Meses, anos, uma vida… Humilhado e torturado, donde só às vezes saía, pela única saída: embrulhado num lençol, atirado à cova, noite fora e em segredo! Era um país de “carneiros,” sob o chicote do medo… Oprimidos, censurados, em fila bem perfilados, como quem pede perdão! Trabalhavam como escravos, do nascer ao pôr do sol. Aos Domingos tinham missa, à tarde futebol… e à noite ouviam o fado. Nesse país desgraçado, tudo o mais era “pecado”, mesmo sonhar acordado! Até vestir “blue-jeans”, ter isqueiro, ou rapaz e rapariga… sentados numa carteira, lado a lado. Tudo isso era vedado pela moral do senhor Era tal a opressão, era tal a violência, ao longo de tantos anos… Que, tomando consciência de tantas dores, tantos danos, as armas que guardavam o monstro das mil traições, e às suas ordens matavam e às suas ordens morriam, começaram a conspirar… Noite fora… com aqueles que saindo das prisões, sempre inventaram lugares onde não houvesse ouvidos do monstro dos mil olhares…

E foi assim, vede bem Que numa certa madrugada, sem que o esperasse ninguém, explodiu uma canção, como se fora granada! -Quem ousou gritar… “O povo é quem mais ordena?” Quem é a voz que acena, fora de horas com a revolta: -“Aqui Movimento das Forças Armadas”! Quem é que deixou à solta, enchendo todas as ruas, largos, praças e vielas, milhares de cravos a florir no cano das espingardas? Quem é que pôs nas varandas, quem é que pôs nas janelas grandes bandeiras vermelhas? E um rio de gente inundou o país, afogou todos os medos, estilhaçou as algemas. Essa voz assim o quis! E a coragem deu as mãos, ligou um povo de irmãos a cantar um canto novo, que se levanta e flutua, vai já no meio da rua, como chama que incendeia a resistente candeia… Que se fez multidão pronta a gritar: “O povo está com o MFA”, “O povo está com o MFA”… E levanta-se do chão… enche as almas oprimidas! - Olá! Mas, o monsto dos mil olhos, como um velho leão acossado, ficou cego! Seus mil ouvidos Ficaram surdos e num último estrutor, Encurralado, O monstro disparou… E mais uma vez matou, um povo desarmado! Tinha que ser assim: assassinos até ao fim, numa revolução de fraternidade e amor, cuja arma era… apenas uma flor! Pois, esse país triste e desgraçado, não é uma fábula não! EXISTIU! Foi o Portugal dos vossos pais e avós! E agora… SOIS VÓS, que tem na mão o país novo, sempre a construir: o Portugal de Abril, o Portugal do Povo, que há-de florir… Em cada geração que vier! MAS CUIDADO! Que por detrás dos escombros desse tal Passado, estão sempre os ombros do velho monstro, que renasce em cada dia em que a Liberdade e a Democracia São atacadas! SENTINELAS DO FUTURO TEREIS DE SER, PARA QUE O VELHO MONSTRO DE MIL OLHOS, MIL OUVIDOS E MIL MÃOS NÃO VOLTE A RENASCER!

Jaime Gralheiro Março de 1999

Jaime Gralheiro, n. São Pedro do Sul (1930-2014) foi um carismático advogado, guionista e dramaturgo, conhecido pela sua ação persistente na resistência contra a Ditadura




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