Ciência
Hoje, conversámos com Sérgio Almeida, que nos fala sobre CIÊNCIA. Sérgio Almeida é cientista e professor universitário. É um dos investigadores principais do Instituto de Medicina Molecular (IMM) e leciona na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL). Nasceu e viveu em Castro Daire, onde frequentou e concluíu o Ensino Básico. Fez o Ensino Secundário em Viseu. Formou-se em Bioquímica na Universidade de Coimbra e fez o doutoramento em Ciências Biomédicas na Universidade do Porto. Posteriormente, rumou a Lisboa, onde fez o pós-doutoramento no Laboratório de Carmo Fonseca, no IMM. Foi praticante de kitesurf até ser pai e espera retomar em breve. Por agora, o seu principal passatempo é estar com os seus filhos. Sérgio, quem te conhece desde criança, sabe que poderias ter percorrido qualquer área de estudos. O que te levou ao caminho da Ciência? Olhando para trás diria que foi um percurso mais ou menos óbvio, mas não totalmente planeado... Eu sempre gostei muito mais de biologia, química ou matemática do que de disciplinas de línguas ou humanidades, mas não sabia exatamente o que queria ser “quando fosse grande”. A escolha de um curso é uma decisão muito importante que temos de tomar ainda bastante jovens. E com 17 ou 18 anos não sabemos o que é ser médico, polícia ou advogado. Devíamos poder experimentar primeiro para depois decidir. Eu lembro-me que quando entrei para a faculdade, pensei seguir uma carreira ligada à genética forense ou polícia científica. Ainda estive um ano na medicina legal durante o estágio da licenciatura, mas não me entusiasmei muito e percebi que não era aquilo que queria. Como durante o curso comecei a achar cada vez mais piada à atividade de investigação científica, acabei por decidir fazer um doutoramento em ciências biomédicas, com o objetivo de vir a ser investigador. Felizmente tive a sorte de escolher uma profissão de que gosto realmente. Tens feito um percurso notável em Investigação, nomeadamente, no campo do ADN e na área do Cancro. Podes falar-nos um pouco sobre o teu percurso e o teu contributo para a Medicina? Tive um percurso típico de quem deseja ser investigador principal (é o nome que damos aos diretores de laboratório). Depois de terminar o curso em Coimbra em 2002, fui para o Porto fazer o doutoramento. A minha orientadora foi a Professora Maria de Sousa, uma mulher genial que infelizmente faleceu recentemente, devido à infeção com o novo coronavírus. Em 2007 terminei o doutoramento e fui para Lisboa, onde fiz o pós-doutoramento durante 6 anos. Esta fase é importante para aprendermos como se lidera uma equipa de investigação e se coordena um projeto científico. Em 2013 fui selecionado num concurso público para professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e tornei-me diretor de laboratório do Instituto de Medicina Molecular (IMM), onde faço investigação. Como dizes, a investigação do meu laboratório tem como temas principais o ADN e o cancro. As perguntas que tentamos responder têm que ver com as causas do cancro. Por exemplo, queremos perceber quais são as alterações que ocorrem numa célula para que ela se torne cancerígena. Tentamos recapitular o desenvolvimento de um cancro no laboratório. Também procuramos perceber porque é que algumas famílias têm um número de casos de cancro, por exemplo cancro da mama, muito superior ao normal. Em paralelo, temos projetos mais focados em descobrir novos alvos terapêuticos, com um especial foco no cancro da mama. Por exemplo, estamos neste momento a registar uma patente em que descrevemos uma nova ferramenta para identificarmos com muita precisão quais os cancros de mama que têm maior probabilidade de responder a uma determinada terapia. Trabalhas no Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa, que tem desenvolvido um trabalho extraordinário no campo da virologia. Qual o conhecimento que se tem produzido em Portugal para desvendar a COVID-19? O IMM é um instituto formado por cerca de 30 laboratórios que fazem investigação em áreas distintas como o cancro, as neurociências ou a virologia. Nenhum dos laboratórios do IMM fazia investigação relacionada com coronavírus. E também não conheço laboratórios noutros institutos portugueses que se dedicassem aos coronavírus. As razões são várias, mas a principal é provavelmente o facto de não causarem doença grave nos humanos. Julgo que também por isso não tenha havido um grande interesse em desenvolver-se uma vacina. Seria pouco rentável e não justificaria o investimento de centenas de milhares de euros. Agora, com o aparecimento deste novo coronavírus e devido à gravidade da doença que causa - a Covid-19 - há um mobilizar massivo de vários laboratórios de virologia e imunologia no sentido de investigarem este vírus. Isso acontece também no IMM, onde vários grupos de investigação estão envolvidos em consórcios com outros laboratórios portugueses e estrangeiros para estudarem o novo coronavírus. O que é importante que as pessoas percebam é que o tempo de uma investigação conta-se em anos e não em semanas ou meses. E este vírus surgiu há meio ano. Até que tenhamos gerado conhecimento sólido acerca do vírus e, principalmente, desenvolvido uma vacina segura e eficaz, é necessário mais tempo. A boa notícia é que como este vírus pertence a uma família de vírus que já era estudada há muitos anos, já temos um conhecimento bastante alargado da sua biologia, inclusivamente dos mecanismos pelos quais causa doença. Aquilo em que o IMM foi realmente pioneiro foi na capacidade de, em pouquíssimo tempo, conseguir transformar um instituto de investigação num laboratório de diagnóstico de Covid-19 capaz de realizar centenas de testes por dia. Estes testes são realizados por investigadores do IMM, desde alunos de doutoramento a diretores de laboratório, num regime de voluntariado. Este modelo foi replicado por outros institutos de investigação e universidades portuguesas. Esta capacidade de adaptação e de translação do conhecimento que existe nos institutos de investigação, teve um papel importantíssimo no combate à doença e contribuiu para que Portugal seja atualmente um dos países de todo o mundo que mais testes de diagnóstico de Covid-19 realiza à sua população. Estaremos perto de encontrar uma vacina e uma vacina será suficientemente eficaz para erradicar a doença, uma vez que o vírus está em constante mutação? Não sei. E ninguém poderá responder objetivamente a essa pergunta. Como disse há pouco, são necessários vários anos até que se desenvolva uma nova vacina. Claro que esta é uma situação atípica e estou convencido de que não vamos ter de esperar 5 ou mais anos até termos a vacina para o novo coronavírus. Mas duvido bastante de previsões demasiado otimistas que dizem ser necessários apenas alguns meses. A possibilidade de termos uma vacina disponível durante 2021 parece-me credível, mas não a dou como garantida. O que também espero é que numa altura em que toda a gente fala da vacina como a arma mais eficaz contra o vírus, erradiquemos de vez um outro vírus, tão ou mais perigoso que este coronavírus, que é o da desinformação e o da crença em curas alternativas e em mezinhas que levaram muita gente a decidir não vacinar os filhos ou a tentar convencer outros a não o fazer. A vacinação é um dever de todos nós e é importante que todos percebam que as vacinas são seguras e salvam vidas. Não é à toa que existe um plano nacional de vacinação aprovado pela comunidade médica e científica e que contribuiu para que tenhamos erradicado doenças gravíssimas como a varíola. Neste período conturbado que o mundo atravessa, a Ciência é vista como o “Santo Graal” para resolver o problema da doença COVID-19 e o surto pandémico. Será mesmo assim? Só pode ser assim! Em medicina não há, nem pode haver, alternativas. Um tratamento, uma cura ou uma vacina só serão possíveis através da ciência. É muito importante que isto seja absolutamente claro para toda a gente. Temos de ficar atentos àqueles que só têm certezas absolutas e para quem a Covid-19 facilmente se trata ou previne com curas ou mezinhas. Não conheço nenhum médico ou cientista que fale de Covid-19 com a certeza de quem tudo sabe acerca da doença. E é essa dúvida que vai fazer com que sejamos capazes de, a seu tempo, falarmos da pandemia como algo do passado. Como achas que devemos conviver com este vírus e como visualizas o futuro pós-COVID? Não há grandes opções em relação ao que fazer enquanto o cenário de pandemia durar. Infelizmente não podemos decidir livremente, pois há regras a cumprir. Devemos, acima de tudo, ter a perfeita noção de que esta situação é temporária e que se todos agirmos responsavelmente sairemos dela mais rapidamente. O que sabemos em relação a outros vírus leva-nos a suspeitar que o novo coronavírus acabará por se tornar endémico e que talvez a Covid-19 passe a ocorrer por surtos, um pouco como acontece com a gripe sazonal. Nessa altura, o nosso serviço nacional de saúde estará mais bem preparado para responder aos eventuais surtos e a vacina permitir-nos-á imunizar as pessoas em risco de desenvolver doença grave, pelo que inevitavelmente a taxa de mortalidade será mais reduzida. Sérgio, obrigada por nos teres elucidado quanto ao papel e utilidade da Ciência e da Investigação, não só na área da virologia, como também na área do cancro, especialmente o cancro da mama, que tem atingido tantas mulheres no nosso concelho e em todo o país. Também é importante consciencializarmo-nos quanto ao perigo da desinformação, que muitas vezes leva as pessoas a recorrerem a tratamentos não credíveis e duvidosos e a adotarem comportamentos de risco. Obrigada por nos teres esclarecido sobre a importância da vacinação, um assunto que tem sido posto em causa e que tem gerado algumas polémicas. O teu relato sobre o trabalho científico que se tem produzido no campo da virologia mostra-nos que devemos ter paciência na espera pela vacina, como tal não podemos desleixar-nos quanto às responsabilidades e obrigações a que todos estamos sujeitos, pois encontramo-nos ainda numa fase de cuidados e riscos que cabe a todos prevenir, mas é reconfortante saber que há uma luz ao fundo do túnel, que permitirá resolver e ultrapassar esta situação adversa, mais tarde ou mais cedo. Por último, agradecemos-te e parabenizamos-te, incluindo-te, assim como a todos os cientistas e o seu trabalho, no grupo dos super-heróis do momento, a quem devemos a busca incessante pela cura das doenças que afetam a humanidade e que hão-de salvar-nos e libertar-nos de sofrimentos e privações como aquela que estamos a atravessar neste momento. Continuação de um excelente trabalho, para o bem de todos nós!
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