Pandemia
Hoje, conversámos com a Sara André, que nos fala de PANDEMIA. Ela está na Linha da Frente, conhece a realidade que estamos a viver e alerta-nos para os comportamentos a adotar e a responsabilidade coletiva com que temos de nos comprometer. A Sara André é enfermeira. Cresceu entre Pepim e Parada de Ester, no concelho de Castro Daire, onde fez a escolaridade obrigatória e participou em iniciativas culturais e recreativas, tendo integrado o Rancho Folclórico Flores da Aldeia, de Mosteirô. Fez uma licenciatura em Enfermagem, na Escola Superior de Enfermagem de Viseu, onde também obteve duas pós-graduações: em Cuidados Paliativos e em Gestão e Administração de Serviços de Saúde. Neste momento, frequenta um mestrado em Gestão, na Universidade Católica. Começou o seu percurso profissional em Castro Daire, nos Lares e na Unidade de Cuidados Continuados da Santa Casa da Misericórdia e rumou, depois, ao Reino Unido. Na Inglaterra, trabalhou, inicialmente, numa Unidade de Transplante de células estaminais para doentes oncológicos; de momento, trabalha num Serviço de Urgência e divide-se entre dois departamentos, sendo um deles apelidado de zona COVID, onde presta cuidados diretos a pessoas que contraíram a doença. Sara, o que te levou a escolher a enfermagem? A escolha da enfermagem como profissão, foi a concretização de um sonho de menina. Cresci a dizer que queria ser enfermeira. Queria cuidar dos outros, ajudá-los a sentirem-se melhor. Lembro-me de ser ainda criança e, quando alguém se magoava, eu ia a correr buscar “a caixinha dos pensos” da minha mãe para fazer os curativos. Se alguém lá em casa ficava doente, eu automaticamente assumia o papel de cuidadora. Acho que ainda é assim hoje. Alegrava-me a ideia de poder fazer algo para ajudar o outro a sentir-se melhor ou a ficar melhor. Ainda hoje, é a crença de poder contribuir para melhorar algo, que me move na minha profissão. Poucas vezes equacionei alternativas à enfermagem e, de todas as vezes que o fiz, a minha escolha foi a enfermagem. Por que razão rumaste ao Reino Unido para exercer a tua profissão? Boa pergunta, acho que ainda hoje não tenho a resposta para isso. Acho que, essencialmente, foi o meu desejo de partir à descoberta, sair da minha zona de conforto, como costumamos dizer, e rumar à aventura, à descoberta de novos desafios. Contribuiu também o facto de ter amigas minhas a trabalhar noutros países; partilhávamos experiências, realidades muito diferentes e isso despoletou em mim a vontade de ir conhecer pelos meus próprios olhos, saber como era. Como é estar na Linha da Frente da pandemia provocada pela COVID-19? Olha, é complicado. Um turbilhão de emoções. É, sem dúvida, uma experiência para a qual não estava preparada. Viver uma pandemia, que levou a que praticamente o mundo inteiro parasse, é algo que dificilmente terá alguma vez passado pela cabeça de algum de nós. O medo passou a fazer parte da minha lista de material de trabalho. A cada vez que se veste o uniforme, põe-se a máscara e viseira no rosto, aperta-se a bata e guarda-se o medo ao peito, agarradinho a nós. Medo por nós, mas, acima de tudo, medo pelos nossos pacientes. Medo de que o “fazer tudo o que é possível” não seja suficiente. Muitas vezes, o medo dá lugar à frustração. Diria mesmo revolta; por não podermos fazer, por o tudo que é possível fazer e todos os recursos existentes não serem suficientes. E é mesmo isto que é tão assustador nesta batalha contra o COVID-19. Não é só o facto de haver ventiladores suficientes ou não. É também o que é que eles conseguirão fazer por aquele doente. Não creio que alguma outra altura tenha sido tão frustrante para os profissionais de saúde. Tudo o que sabemos, tudo o que conhecemos e o que fazemos, muitas vezes, parece não ser suficiente. O COVID-19 afeta os pulmões de uma forma muito severa e não temos ainda tratamento específico para ele. Tem-se recorrido a outros tratamentos já antes existentes, nomeadamente outros antivirais que muitas vezes se têm revelado eficazes, mas nem sempre. Claro que também existem histórias felizes e muitos doentes têm recuperado. E é cada um destes doentes que nos inspira todos os dias para continuar a lutar, para nunca desistir. Por vezes, há histórias de pacientes que nos emocionam, que nos deixam de lágrima no canto do olho, ou de sorriso rasgado na cara, mas nunca antes as nossas emoções estiveram tanto à flor da pele. O rir e o chorar passaram a fazer parte constante do nosso dia-a-dia. De acordo com a tua experiência, o que sabes sobre esta doença? Sabe-se ainda muito pouco sobre o COVID-19 e, por vezes, a informação pode até ser um pouco contraditória. Sabemos que se transmite por via aérea, sendo as “portas de entrada” para o nosso organismo a boca, o nariz e os olhos. Os principais sintomas deste vírus são dificuldade em respirar, tosse seca e febre, mas não significa que um doente infetado tenha de apresentar estes três sintomas. Muitas vezes, apresenta apenas um ou dois destes sintomas. Também existem casos mais raros de doentes infetados que apresentam queixas abdominais. É importante lembrar que a maioria das pessoas infetadas apresenta apenas sintomas ligeiros, que não requerem sequer uma ida ao hospital. O uso de Paracetamol, para controlo da febre, deve ser suficiente e os sintomas devem melhorar progressivamente. Contudo, existe também uma percentagem de indivíduos que, embora infetados, não chegam a apresentar nenhum dos sintomas referidos. Estas pessoas, muitas vezes, nem chegam a saber que estiveram infetadas. Ora, estes indivíduos apresentam um grande risco de contaminar outras pessoas, porque, ao serem positivos, apresentam o mesmo risco de contagiar, tal como um doente com sintomas, mas porque não têm sintomas, pode haver uma tendência a serem menos cautelosos, porque acreditam serem saudáveis. Também o risco de uma pessoa poder ser contagiada mais do que uma vez é algo que ainda não é claro. Embora alguns estudos mais recentes defendam que tal é muito pouco provável, ainda nada parece ser uma certeza. Portanto, mesmo para aqueles que foram já infetados, o melhor é apostar na proteção, prevenindo riscos. Como achas que os portugueses estão a lidar com esta doença em comparação com os britânicos? Bem, comparando uns com os outros, os portugueses estão a lidar de uma forma muito mais consciente com a situação. Desde o início que se mostraram compreensivos, seguiram as recomendações das entidades competentes e protegeram-se, de forma a conseguir travar a propagação em massa do vírus. Os britânicos têm sido muito desobedientes. São duas culturas muito distintas e essas diferenças manifestam-se até em momentos como este. Contudo, e apesar da eficácia das medidas que foram adotadas em Portugal, é fundamental que as pessoas reconheçam que a batalha ainda não está ganha. O vírus continua “à solta”, continuam a existir casos positivos e, como já referido, muitas vezes assintomáticos. É extremamente importante que, com o retomar das atividades, as pessoas mantenham a noção do perigo real. A vida está, infelizmente, ainda longe de voltar a ser o que era antes. As pessoas têm mesmo de ser conscientes, de se proteger, de se consciencializarem das medidas de proteção, de as aprenderem, de saber como as executar corretamente. Temos mesmo de ser cautelosos. Só assim poderemos evitar um segundo surto desta doença. É muito difícil, estamos já todos saturados, mas temos mesmo que ser pacientes. Que conselhos e sugestões queres deixar aos castrenses e aos portugueses em geral em contexto de COVID-19? Acima de tudo, quero pedir-vos que sejam cautelosos. Não sejam pessimistas, mas tenham a noção que “o pior” ainda não passou. O risco de contágio é ainda muito grande. Só há uma forma de evitarmos um novo surto e depende de todos e de cada um de nós. Temos mesmo de nos proteger a nós e aos outros. É essencial que sigam as normas de proteção e, acima de tudo, que saibam como fazê-lo corretamente. O uso de máscara é muito importante, mas se não a usarmos corretamente, podemos estar a aumentar o risco de contaminação. A máscara deve sempre tapar o nariz e a boca em simultâneo. Devemos assumir que a parte externa da máscara, por estar virada para o meio exterior, vai ser contaminada por partículas que estão no ar, por isso, é muito importante que, depois de colocarmos a máscara, não lhe toquemos com as mãos ou estas irão também ficar contaminadas. Se necessitarmos retirar a máscara por algum motivo, devemos fazê-lo pegando nos elásticos por trás da orelha e trazendo-os para a frente do rosto, evitando que a parte de fora da máscara nos toque na cara ou no pescoço. Lembrar sempre que, onde a máscara tocar, essa área poderá ficará contaminada, ou seja, se pousarmos a máscara numa mesa, essa zona da mesa poderá ficar contaminada e deve ser limpa assim que removermos a máscara. De todas as medidas, a mais importante é a lavagem das mãos. As mãos são, desde há muito tempo, bem antes do COVID-19, o maior mecanismo de contaminação. Tocamos em tudo com as mãos, desde objetos, ao nosso rosto. É fundamental que lavemos as mãos ou que, pelo menos, as desinfetemos com uma solução alcoólica, com regularidade e sempre antes de tocarmos no rosto. Muitas pessoas optam por usar luvas como forma de proteção. Mas atenção, que o uso de luvas pode dar-nos uma sensação de falsa segurança. É certo que, usando luvas, à partida, as mãos estarão limpas, mas se usarmos o mesmo par de luvas constantemente, vamos acabar por tocar em diferentes sítios com elas. Se, num desses sítios que tocámos, as luvas ficarem contaminadas, todos os locais que tocarmos de seguida ficarão contaminados também. E mais grave, as luvas não podem ser lavadas nem desinfetadas como fazemos com as mãos. O COVID-19 não é absorvido pela pele, portanto o mais seguro será mesmo optarmos por lavar as mãos com regularidade e usar as luvas só quando necessário, sempre com a preocupação de mudar de luvas sempre que transitamos de uma atividade para outra. Uma outra regra fundamental é lembrarmo-nos que tossir ou espirrar são duas ações de alto risco de transmissão do vírus entre pessoas. Seja através da projeção de partículas diretamente para as vias aéreas (boca, nariz, olhos) de outra pessoa, seja pela acumulação em superfícies (mesas, corrimões, etc.) que vão depois ser tocadas por alguém e que depois vão tocar com a mão na cara. Portanto, sempre que necessitemos de tossir ou espirrar, é fundamental que tomemos medidas de precaução, como por exemplo, fazê-lo para o cotovelo, ou usar um lenço de papel para tapar a boca e o nariz quando o fazemos. E não esquecer, a seguir temos de lavar as mãos. E o mais importante de tudo é nunca nos esquecermos que isto vai passar, pode demorar mais do que gostaríamos, mas vai certamente passar. Dependemos do apoio e entreajuda de todos. Temos todos de contribuir com a nossa parte. Muito obrigada. Sara, nós é que agradecemos a tua partilha da vivência e do quotidiano de quem está na Linha da Frente, que conhece a doença COVID-19 e os perigos que ela representa para a sociedade, de quem investe as suas competências a lutar com sacrifício, generosidade e coragem pela vida das pessoas, neste caso concreto, pela vida daqueles que foram infetados pelo coronavírus do momento. Através do teu testemunho e esclarecimento, esperamos sensibilizar e instruir as pessoas quanto à importância dos cuidados e responsabilidades a ter individualmente e socialmente neste contexto de pandemia, que a todos afeta. Esperamos também mostrar e relembrar, através desta conversa, que os super-heróis existem e estão muito perto de nós, a arriscar as suas vidas para cuidar das nossas vidas, seja num hospital, num Lar, num supermercado, na rua e em tantos outros lugares onde valentemente se expõem pela nossa segurança. Todos eles merecem a nossa gratidão e o nosso reconhecimento. Bravo, heróis!
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