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CONVERSAS À JANELA - Engª Eulália Teixeira - LIBERDADE

Atualizado: 10 de jun. de 2020



Liberdade


Hoje, conversámos com a Engª Eulália Teixeira, que nos fala sobre a Revolução de 25 de Abril e sobre a LIBERDADE.  A Engª Eulália Teixeira é engenheira técnica civil de formação e professora. Atualmente, é a Presidente da Assembleia Municipal de Castro Daire e integra a Associação Nacional de Assembleias Municipais.  No Município de Castro Daire, foi Presidente de Câmara entre 2005 e 2009 e foi Vereadora entre 1994 e 2002 e, posteriormente, entre 2009 e 2013. Exerceu o cargo de Deputada na Assembleia da República, eleita pelo círculo eleitoral de Viseu, tendo integrado a Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território. Sra. Engª, onde estava no 25 de Abril de 74? Estava em Castro Daire. Frequentava o ciclo Preparatória e, na altura, não havia a disponibilidade de transportes que hoje existe. Ficávamos alojados em casas particulares. Vivia com as minhas irmãs na casa que mais tarde deu lugar à Unidade de Cuidados Continuados, da Santa Casa da Misericórdia de Castro Daire. Conte-nos um pouco da experiência que viveu durante esse período épico da Revolução dos Cravos. Só ao início das aulas é que tivemos conhecimento de que houve uma revolução em Lisboa. Na escola, mantínhamos as nossas brincadeiras e jogos. No entanto, percebíamos que algo sério se passava, pois os professores e funcionários mostravam apreensão, nervosismo até. Recordo-me que no dia 25 (que ainda não era feriado nacional), à noite, estávamos a ver televisão e apenas era transmitido o seguinte texto: “Houve uma revolução em Lisboa, uma Junta de Salvação Nacional tomou conta do Poder, mais notícias brevemente”. Durante algumas horas, apenas este texto foi transmitido. Já muito tarde, ouvimos foguetes, que pareciam eclodir de muito perto- do Calvário, talvez-, e vozes na rua que diziam: “a Revolução vingou, vingou, está consumada”. Claro que presenciámos algumas discussões acesas entre adultos, mas com 12 e 13 anos, a nossa dedicação era sobretudo aos livros, ajuda nos trabalhos domésticos e às brincadeiras. Quais foram as mudanças mais imediatas que se sentiram na sociedade portuguesa após o 25 de abril? Houve mudanças fortes no vocabulário, eu não me recordo de ter ouvido antes a palavra fascismo. Mas proliferaram muitas outras, Liberdade andava de boca em boca, nas canções, nas rádios e jornais e saltaram para a luz do sol os poemas que haviam sido proibidos.  Mas a mudança, sobretudo no interior do País, foi algo lenta, recordo-me ainda que em 1976, transcrevi o hino do Partido Comunista Português (Avante, Camarada, Avante) para o meu caderno de Música e levei uma falta disciplinar! O Dr. Mário Soares passou por Castro Daire e discursou no Coreto da vila. Toda a malta ia ver o Dr. Mário Soares e o professor de Moral não queria dar folga à nossa turma para isso. Então, fizemos também “uma revolução”: saímos pela janela, galgámos as grades do muro e fomos todos! De enorme significado e, em minha opinião, a maior conquista foram as eleições livres! Muito significativo, também, foi o regresso dos militares que se encontravam em serviço militar nas ex-colónias. Naquela altura, este facto tocou-me muito, dado que, de Cujó, faleceram 4 soldados na guerra colonial e eu assisti, com a professora e os colegas da escola primária, a 3 desses funerais. Tenho muito presente estes acontecimentos!  O regresso dos continentais que tinham vida nas colónias marcou deveras esse período. Não foi fácil a aceitação e acomodação destas pessoas por parte dos residentes, mas na escola fiz amigos que tinham regressado e que ainda conservo. Diverti-me imenso com os cartazes que se colavam em quaisquer paredes, do MFA, alusivos ao 25 de abril, à Revolução, Liberdade e Igualdade. Era um espetáculo! Com base na sua vivência em dois períodos tão distintos da nossa História- a ditadura e a democracia- qual é o seu conceito de Liberdade? Claro que eu não senti a ausência de liberdade em tempos de ditadura. Mais tarde, percebi porque tinha que ir para a cama cedo e os meus irmãos mais velhos ficavam com os meus pais a ouvir o rádio -baixinho- ou quando iam pessoas a nossa casa para ouvir notícias dos mortos no ultramar. Mas, bem mais tarde, eu tomei essa consciência. A liberdade está indubitavelmente ligada aos valores que devem nortear a vivência do ser humano e que a Constituição da República Portuguesa tão bem proclama: livres, apesar da cor da pele, da raça, da confissão religiosa, política ou étnica. Somos livres sempre que exercemos o nosso direito a sê-lo e, ao mesmo tempo, permitimos que o outro o exerça também! A Liberdade não pode ser dissociada da responsabilidade em assumir as consequências da nossa atitude ao por em causa a dignidade dos outros. É que o outro tem precisamente os mesmos direitos que eu! Quais são as lições que o 25 de abril lhe deu que também gostaria de transmitir às próximas gerações? As revoluções passam por períodos mais ou menos conturbados, de percursos nem sempre felizes, mas, no nosso caso, devemos sentir orgulho no processo que foi desenvolvido e no que conquistamos. Apesar de o País e a Administração Pública apresentarem fragilidades, devemos perceber que não há estruturas perfeitas. A maior conquista e a melhor lição foi a abertura da sociedade ao conhecimento! A escolaridade (quase) obrigatória é o melhor presente que o ser humano pode receber. O conhecimento é uma arma para mais facilmente atingir metas e ter uma vida digna! A todos, eu diria que não temos o direito de desperdiçar os recursos que estão à nossa disposição. Outro grande valor de abril foi a instituição de eleições livres nos vários órgãos do poder: Presidencial, Parlamentar e Local. Temos todos o direito de votar, eleger, mas também ser eleito. A sociedade tem mostrado distanciamento relativamente aos órgãos e aos eleitos, mas é muito importante que as pessoas se disponibilizem para participar ativamente nos vários órgãos da sua comunidade, elegendo e sendo eleitos também, caso contrário, estamos a deturpar abril! Quais são as suas expetativas quanto à Liberdade no futuro? A História ensina-nos que os regimes fechados e opressores não proporcionam felicidade às suas comunidades. No nosso caso, verificámos ainda grandes desigualdades na sociedade e em vários vetores. Mas creio que cada vez mais os decisores percebem que a liberdade, associada ao conhecimento, contribuirá para se atingir o equilíbrio necessário. Quando todos se empenharem em ser livres e permitirem a mesma liberdade ao outro, estaremos lá! Srª Engenheira, o testemunho que hoje nos oferece, neste dia tão simbólico, irá certamente ilustrar ou elucidar o pensamento e a consciência daqueles que esperaram abril, daqueles que viveram abril e daqueles que aprenderam ou vão aprender o que é abril, o 25 de abril da História de Portugal. Muito obrigada por esta conversa tão afortunada, rica de conhecimentos e vivências, que a todos sacia com um profundo olhar de sabedoria.

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