top of page

COMPAIXÃO E FRATERNIDADE - O AMOR A UM PAÍS


Assim falou o Cardeal José Tolentino Mendonça, por ocasião das comemorações oficiais do Dia de Portugal de 2020.

Ao recordar o Canto Sexto d´Os Lusíadas, que celebra a chegada da expedição portuguesa à Índia, José Tolentino Mendonça relembra a história dos marinheiros, que, ao avistarem finalmente "terra alta pela proa", dependurados na gávea, difundem a notícia até Vasco da Gama com entusiasmo vibrante. No entanto, não deixa de sublinhar a exímia descrição de Camões da tempestade marítima vivida durante a viagem, querendo dizer que não há viagem sem tempestade, não há itinerário histórico sem crises, reportando-se à situação do país, em que cada geração é chamada a viver tempos bons e tempos maus, recordando a nossa vulnerabilidade e a fragilidade das nossas raízes, expostas às turbulências da máquina do mundo, dando-nos conta da necessidade de perseverar com realismo e de tratar com sabedoria das nossas feridas.


Cada português é uma expressão de Portugal e é chamado a sentir-se responsável por ele. Pois quando arquitetamos uma casa não podemos esquecer que, nesse momento, estamos também a construir a cidade. E quando pomos no mar a nossa embarcação não somos apenas responsáveis por ela, mas pelo inteiro oceano. Ou quando queremos interpretar a árvore não podemos esquecer que ela não viveria sem as raízes.


Se é verdade, como escreveu Wittgenstein, que «os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo», Camões desconfinou Portugal. A quem tivesse dúvidas sobre o papel central da cultura, das artes ou do pensamento na construção de um país bastaria recordar isso. Camões desconfinou Portugal no século XVI e continua a ser para a nossa época um preclaro mestre da arte do desconfinamento. Porque desconfinar não é simplesmente voltar a ocupar o espaço comunitário, mas é poder, sim, habitá-lo plenamente; poder modelá-lo de forma criativa, com forças e intensidades novas, como um exercício deliberado e comprometido de cidadania. Desconfinar é sentir-se protagonista e participante de um projeto mais amplo e em construção, que a todos diz respeito. É não conformar-se com os limites da linguagem, das ideias, dos modelos e do próprio tempo. Numa estação de tetos baixos, Camões é uma inspiração para ousar sonhos grandes. E isso é tanto mais decisivo numa época que não apenas nos confronta com múltiplas mudanças, mas sobretudo nos coloca no interior turbulento de uma mudança de época.



5 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page